Do the D.A.N.C.E.

isa
3 min readJan 27, 2022

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Pt. 3 de ?

Acordei na cama, no outro dia, com o despertador tocando à uma e o copo de vinho no chão. Eu sempre acordava sozinha, um pouco antes do meio-dia, o despertador da uma era só uma precaução. Fui ao banheiro, lavei o rosto e fui pra cozinha, passar um café, evitando o tempo todo olhar pra tela do computador ou sequer pensar sobre o que tinha acontecido na noite anterior. Comi um pão com manteiga enquanto uma repórter loira dava uma notícia qualquer no jornal da TV. Fui pra sacada, acendi um cigarro e decidi que não fazia sentido ignorar meu computador. Cedo ou tarde precisaria voltar pra ele. À luz do dia, eu não tinha o copo de vinho pra me proteger. Sentei na escrivaninha, ignorando o computador, como uma criança mimada que não quer olhar pro pai que acabou de dar uma bronca. Dei um gole no café e fitei a tela, com uma mistura de medo e ansiedade. Nada. Nenhuma mensagem nova. O menino que parecia incansável tinha enfim desistido de puxar assunto. E eu não sabia se ficava aliviada ou decepcionada.

Aquela noite, fui pra aula irritada. Tudo parecia me tirar do sério. A professora queria fazer um trabalho em grupo e eu odiava ter que interagir. Fui uma das últimas a ser chamada para um grupo, não que eu tenha feito algum esforço pra isso. Eu só queria chegar em casa e me enfiar debaixo da coberta. Depois de alguns infinitos 45 minutos em que precisávamos discutir o significado de alguma poesia, finalmente veio o intervalo. Eu tinha passado o dia tão fora de mim que até tinha esquecido de comer, de modo que fui direto para a cantina. Enquanto esperava na fila para pegar minha coxinha, uma mão cutuca meu ombro.

- Ei, menina da biblioteca!

O que? Aquela exclamação. Aquela franja. O que essa pessoa fazia ali?

- Parece que a gente frequenta a mesma cantina, né?

A mulher que tentava entregar minha coxinha parecia irritada com a minha confusão e eu só disse um:

- Oi?

Peguei a coxinha e procurei me distanciar da fila de esfomeados.

- Meu bloco é logo ali! Do ladinho do seu!

Caramba, essas exclamações poderiam ser mais irritantes?

- Nossa, que coincidência.

- Como é que vão as aulas, menina da biblioteca?

- Ah, er, vão indo…

- Hahahaha! Você é engraçada!

Não, eu não era engraçada. Como é que ele conseguia achar graça de qualquer coisa?

- Bom, eu e uns caras do curso vamos pr’aquele bar da esquina depois da aula. Se você quiser ir.

- Ah, ok.

Ele deu uma piscadinha e se virou nos calcanhares, indo em direção a uma mesa da qual eu preferia me manter a vida inteira afastada.

Peguei minha coxinha e fui comendo de volta pro bloco de Letras.

Passei a segunda metade das aulas fazendo um esforço imenso pra me concentrar no que o professor falava e ignorar o encontro na cantina. O bar da esquina da faculdade era frequentado essencialmente por estudantes e eu só havia estado lá duas vezes, a primeira no dia do trote e a segunda pra comprar um refrigerante durante a tarde.

Ainda assim, o convite me deixou ansiosa. Mas não fazia sentido eu aparecer no bar, sozinha, pra encontrar alguém com quem tinha trocado poucas palavras. Meu Deus, eu nem tinha certeza do que pensava sobre aquele cara! De uma forma ou de outra, lá estava eu, no meio de uma aula de Linguística, pensando em maneiras de entrar no bar sem parecer desesperada.

Quando a aula acabou, fui até o banheiro e fiquei alguns segundos olhando pro espelho, refletindo se ia pra casa ou se passava no bar. Ajeitei o cabelo, respirei fundo e saí sem nenhuma conclusão.

Enquanto descia as escadas do bloco, pensava que apenas alguns minutos separavam o bar de mim. Continuei andando, com a cabeça fazendo voltas e voltas e quando finalmente cheguei perto da tal esquina, me virei e atravessei a rua. Do outro lado, pude ver o carinha de franja sentado em uma mesa com várias pessoas. Nenhuma me chamou a atenção, a não ser uma menina sentada ao lado dele que parecia ser bem bonita, mesmo de longe.

“Melhor assim” — pensei e continuei meu caminho até o apartamento.

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isa

The saddest girl to ever hold a Martini.