This is my generation

isa
3 min readSep 30, 2021

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Com quinze anos fiz minha primeira tatuagem. Uma flor havaiana azul. Não sei se esse tipo de flor existe nos catálogos de biólogos, mas existia nas bermudas da minha adolescência. Não sei também se esse tipo de flor nasce nessa cor. Mas era minha preferida. O desenho não estava na pasta do tatuador, então eu mesma desenhei. Na época eu gostava de desenhar e até me orgulhava dos resultados. Pedi na nuca, do lado direito. Não doeu. Pelo menos não o tanto que eu esperava. Segui todos os pós cuidados recomendados. Não comi carne de porco, talvez tenha comido um chocolate ou outro, afinal, é minha comida preferida. Comprei o antisséptico e a pomada. Deu tudo certo.

Aos dezesseis minha avó morreu. Câncer. O nome dela era Rosalina. Vó Rosa. Como uma flor padece das estações do ano, vi seu corpo definhar à minha frente. E não existia nada que eu pudesse fazer. Minha segunda tatuagem foi em homenagem a ela. Uma rosa dos ventos no peito do pé esquerdo porque existe essa lenda de que a gente deve equilibrar os lados das tatuagens. Era uma rosa e simbolizava um guia para o meu caminho. Como até então tinha sido minha avó. Me lembro que na primeira vez eu morava com ela. Ela gostou da tatuagem. Na segunda, ela já não estava mais presente pra dar sua opinião.

A terceira eu fiz na faculdade. Era meu aniversário e eu fazia um estágio meio bosta, mas que pagava bem, então resolvi me dar esse presente. Era um presente pra mim e ao mesmo tempo para minha avó que já não estava mais ali, mas que me fazia falta literalmente todas as noites em que eu colocava minha cabeça no travesseiro. Eu não gostava do curso que eu fazia e tinha certeza que se conversasse com ela, ela me entenderia. Mas ela não estava ali, então tatuei o título de uma música que escutava quando a saudade dela me apertava: “If you’re feeling sinister”. De certa forma, eu me sentia bem sinistra quando estava com saudade dela. Não conseguia parar de chorar e a saudade machucava. Fiz a tatuagem na tentativa de que cada vez que eu estivesse triste, olharia para o meu braço e lembraria dela.

Acabou dando meio certo. Mas aí, na minha formatura da faculdade, que foi quando eu mais senti saudades, já que ela não estaria lá naquele momento tão importante e sobre o qual eu havia conversado tanto na minha cabeça com ela, eu decidi tatuar uma rosa no antebraço esquerdo. Enchi o saco do tatuador pra me arranjar um horário antes da cerimônia, pra que ela também estivesse presente de uma forma ou de outra.

E deu certo. Me senti acolhida e acompanhada num dos momentos mais desesperadores da minha vida. Assim como ela havia me acompanhado na formatura do terceirão, já debilitada, mas sempre disposta, naquele dia ela estava comigo. Estávamos juntas, comemorando, de um jeito ou de outro.

Mais pra frente, meu irmão comprou uma maquininha de tatuagem. E antes que ele pudesse aprender todas as técnicas, pedi que fizesse uns rabiscos em mim. Tatuei na batata da perna um pedaço da letra da música que eu escutei no velório da minha avó. Estava sentada em um banco do lado de fora, em estado de choque. Minha prima chegou com um MP3 player e colocou os fones nos meus ouvidos. Tocava Kings of Leon, Kinf of Rodeo. A música me tirou da transe e me fez chorar como nunca tinha chorado antes. Desde então, em todos os momentos importantes da minha vida escuto essa música. Se estou muito feliz, escuto. Se estou muito triste, escuto. Se preciso fazer uma prova e por aí vai.

A tatuagem é uma marca. Não precisa ter significado. É aquela história, “o tatuador tinha horário, eu tinha dinheiro, fui lá e fiz”. Não precisa ter significado. Tenho várias dessas, inclusive. Mas também tenho essas que contei. Essas que fiz para minha vó. Porque a tatuagem é uma marca. Ela rasga sua pele. É um livro escrito no seu corpo. E eu queria mostrar pra mim e pra todo mundo a existência dessa pessoa tão importante na minha vida.

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isa

The saddest girl to ever hold a Martini.